Crítica | Alita: Anjo de Combate

Marcos Vinicius
Marcos Vinicius
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Dentre as diversas razões por trás do sucesso de Star Wars (1977), talvez uma das principais seja a limitação. Além das restrições técnicas da época, que fizeram com que os realizadores usassem todo seu talento e criatividade no desenvolvimento de efeitos inovadores, a descrença do estúdio em um gênero então considerado impopular obrigou George Lucas a se concentrar em apenas uma parte da história mais ampla que tinha em mente — afinal, aquela poderia ser sua única chance. O resultado foi um longa-metragem excepcional, que conquistou o público, se transformou em fenômeno cultural e possibilitou a expansão de seu universo.

Uma adaptação do mangá homônimo, o enredo se centra na personagem de Alita (Rosa Salazar), uma ciborgue que é reconstruída pelo Dr. Dyson Ido (Christoph Waltz) após ser encontrada em um ferro velho de um mundo futuro. Quem é essa garota? James Cameron estaria assinando um pedido de desculpas caso esse fosse um cinema inteiramente compreendido em uma narrativa interessada na grandiosidade, um plot maior, ou no relacionamento amoroso. Contudo, Alita: Anjo de Combate é basicamente sobre o processo de descobertas da protagonista. E a mistura de Robert Rodriguez, experiente em ficções científicas e fantasias, com Cameron, envolvendo-se recorrentemente em projetos interessados no espetáculo e na criação de espaço cinematográfico, é um pote de ouro no final do arco-íris. Duas obras, contendo valores distantes, emergem do longa.

Ambientada em 2563, a trama mostra a Terra dizimada em decorrência de uma grande guerra ocorrida cerca de 300 anos antes e durante a qual quase todas as metrópoles flutuantes foram destruídas. A exceção é Zalem, a única que ainda paira no céu, habitada por uma elite e sustentada economicamente pela Cidade de Ferro. Esse caótico centro urbano localizado logo abaixo, na superfície do planeta, surgiu da confluência de sobreviventes do conflito. Lá vive o dr. Dyson Ido (Christoph Waltz), especialista no reparo de robôs e organismos cibernéticos. Durante uma excursão em busca de peças na pilha de sucata dispensada por Zalem, o cirurgião encontra o núcleo ainda vivo de uma ciborgue, que não tem nenhuma lembrança de seu passado. Depois de trazê-la para casa e recuperá-la, Ido a batiza de Alita (Rosa Salazar) e passa a cuidar dela como filha.

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Nesse ponto entra, pela primeiríssima vez, o tratamento visual de Rodriguez e sua direção. O cineasta cria um ambiente extremamente convidativo para a personagem e, com isso, Waltz é um complemento ao cenário de descobertas, ainda consideravelmente adocicado à protagonista. Comer uma laranja é divertido. Comer um chocolate é divertido. Alita é retratada com um senso de inocência fantástico, que é contraditório com o mundo em questão, sendo esse o primeiro passo da obra para o desenvolvimento do seu coração. Os efeitos visuais, portanto, são essenciais, por estarem sendo a comunicação entre o design da garota, completamente em computação gráfica, e o cenário em questão. Os momentos iniciais de Anjo de Combate no exterior da residência do Dr. Ido traçam uma visão futurista que é enxergada em um único corredor, mas recheado de pessoas.

A constatação de estarmos verdadeiramente empolgados com a sucessão de acontecimentos desponta consequentemente, por vermos mudanças de tom, contudo, não transformações sensoriais. Anjo de Combate sai do ambiente esportivo casual, jogando um jogo com os seus amigos, e vai para o ambiente esportivo mortal, participando de um campeonato em uma arena brutal. Continua sendo imensamente livre em oportunidades cinematográficas. Robert Rodriguez mistura Pequenos Espiões 3-D com um orçamento gigantesco e cria composições visuais magníficas, sempre centradas na experiência de Alita com as cenas. Tudo é sobre o que irá mudar para a personagem depois disso. Várias situações climáticas – que cansam pontualmente o espectador, entretanto – encaminham a protagonista para a sua derradeira missão. É ainda lúdico.

Sob um outro ponto de vista, se formos julgar certas figuras antagônicas independentemente, o maniqueísmo impera. O caráter mais dramático, por ora, vai aparecendo como oriundo do antagonismo em si à permissão por quebrarmos com os paradigmas ancestrais. Será que sonharmos é uma imbecilidade nossa? Não é à toa que a jornada de Alita, mais do que se descobrir guerreira e esportista, também comporta as suas tentativas de ajudar as pessoas ao seu redor, principalmente Hugo e o seu “pai”. Conquistando isso, Rosa Salazar possui uma voz simpática, que carrega o espírito da garota durante as cenas de ação. Uma sequência em um bar, cenário que não poderia se ausentar dessa produção de Rodriguez, é comandada com uma leveza condizente com a energia da garota em cena. Como nos videogames, ser guerreira é ser jogadora.

A maior falha, todavia, é a insistência em enfiar elementos que, em teoria, serão desenvolvidos no futuro, muitas vezes prejudicando a própria estrutura do filme. Embora renda boas cenas de ação, a sequência na arena de motor ball (o esporte tem papel central em volumes posteriores do mangá) é desprovida de função narrativa — ela apenas atravanca o terceiro ato.

Já os flashbacks de Alita podem parecer essenciais à primeira vista, porém, servem só para explicar a origem de um artefato, introduzir uma mitologia que é dispensável no momento e apresentar Nova (Edward Norton) como a grande ameaça desse universo. Aliás, ao mostrar escancaradamente o chefão de Zalem como responsável por todos os males — colocando-o, inclusive, no meio da ação, “possuindo” o corpo de alguns personagens —, o script tira todo o peso de Vector (Mahershala Ali, desperdiçado), que poderia ser um vilão muito mais interessante. Sem falar que o filme já conta com outros dois bad guys, Grewishka (Jackie Earle Haley) e Zapan (Ed Skrein), um excesso de bandidagem.

Com tecnologia de ponta à disposição e o prestígio de seus realizadores a favor, Alita: Anjo de Combate acaba sendo apenas um filme de ação razoável, que entretém, mas está longe de cativar. É pouco, considerando os talentos envolvidos e a qualidade do material original. Parece que a ânsia da indústria em criar franquias em detrimento da história fez mais uma vítima.

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